terça-feira, 20 de setembro de 2011

Do príncipe ao fim

É que eu te encontrei ali, caido no chão, feito brinquedo velho que criança não quer mais.
Feito lixo mesmo, que adulto joga fora e nem quer saber pra onde vai. E eu não quis também.
Queria um outro brinquedo. Já tinha dona.
Mas eu passava por aquele canto e sempre te via ali, jogado, me olhando, como cachorro que a gente acha na rua e vem seguindo a gente, pedindo abrigo, amparo, carinho.
Um dia eu resolvi pegar. E meu coração não pegou o brinquedo velho da criança ou o lixo do adulto que não quis mais.
Meu coração te pegou feito presente. Desses que a vida dá pra gente e a gente tem que cuidar.
E foi o que fiz. Te cuidei. Segurei o seu coraçãozinho com as mãos e fui colando caquinho por caquinho, e eram tantos!
Quando achei que já estavam todos colados, olhei com orgulho e sorri. Feliz, por querer exatamente aquilo que eu tinha: você.
Segui sorrindo por algum tempo. Mas o tempo mesmo veio apagando esse meu sorriso. Você foi roubando as minhas cores, as minhas alegrias, o meu brilho no olhar...
E eu pensava, ainda, que poderia reverter a situação, afinal, achei você feito criança desamparada, abandonada, te dei carinho e abrigo aqui no peito, isso devia valer alguma coisa.
Achava que com amor e lápis de cor podia mudar o mundo.
Mas mais uma vez o tempo me mostrou o contrário.
Quando olhei de novo aquele coração que eu havia colado - tão bem!! eu pensava - ele estava cheio de arestas e farpas.
Quando me olhei no espelho, eu estava cheia de arranhões e machucados e farpas e edemas...
E minhas mãos sangravam e meu corpo estava em carne viva.
Eu sentia, claro, mas ainda não tinha enxergado.
Estava tão preocupada em curar as suas feridas, cuidar de você, que não percebia que cada abraço, cada carinho, cada afago que eu fazia pra te curar, era a mim que eu estava machucando.
E eu fui te cicatrizando e me ferindo, como o rolxinol, do Oscar Wilde, que canta com espinho cravado no peito para tingir, com seu próprio sangue, a rosa de vermelho.
Hoje eu colo o meu próprio coração, e, com lápis de cor e o amor que eu aprendi na vida, eu continuo a minha jornada. Não pretendo apagar as marcas do que me feriu.
Vou adiante com minhas cicatrizes, são a mais doce lembrança do que fui.
Sigo.
Sabendo que tudo se cura com hipoglós, merthiolate, sonrisal e algumas palavras doces.
Doce.
Um bom filme.
Bons amigos e chá.

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