terça-feira, 30 de novembro de 2010

Das saudades todas

Então ela sentiu saudades dela mesma. Porque não conseguia ao menos se lembrar como era sorrir sendo ela.
Nem chorar. Não como antes.
Faltava poesia, cor, cores.
Faltava. E ela não queria mais faltas e ilusões.
Ela não queria mais. Ela queria muito mais.
Queria a palavra "extraordinário". Por quê não?
Queria a vida extraordinária. Merecia.
Só não sabia como. Mas sabia possível.
Pensava possível.
Precisava acreditar.
Acreditar que seu pretérito perfeito pudesse transformar-se num belíssimo futuro do subjuntivo.
Com mais poesia, claro!

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O circo passou

E ela se arrependeu de não ter fugido com ele...
Talvez essa vida nômade explicasse a sua. Talvez a verdade que tanto procura estivesse nos olhos do palhaço, que nunca mente. Talvez equilibrar-se na corda bamba não fosse tão difícil para ela, que vivia se equilibrando e perdendo o equilíbrio. Quem sabe de cabeça pra baixo, no trapézio, entendesse melhor o mundo, o seu próprio mundo.
Pudesse ela viver a magia das lonas do circo... Pudesse ela recuperar a sua própria magia...
Mas o espetáculo acabou.
Ficou a pasta d'água e uma cachoeira que brotava de seus olhos.
Mas vai passar.

domingo, 23 de maio de 2010

Deve haver um porto...

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Então ela sentiu o coração apertar até sumir do peito.
E um nó na garganta. Daí pensou ser bom.
"Um nó deve calar a gente", e ela falava demais.
Se existia mesmo pecado esse era o dela.
Porque a fala era só a ponta do que ela sentia. Uma ponta que, vez ou outra, escapava.
E tudo que escapa foge do controle.
Controle era uma palavra que ela gostava de usar na sua vida.
E ficava triste quando a perdia.
E quando perdia o controle imaginava que alguém, em algum lugar tinha encontrado.
Mas quem? Onde?
Não sabia direito se acreditava em Deus... Mas um dia ouviu um poema que dizia que de vez enquando Deus fica pequenininho, ai ela entendeu.
Porque esses dias Deus tem estado também tão pequenininho, mas tão pequenininho, que ela nem conseguia ver.
Nem sentir.
Nem saber.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Mania de explicação

Era uma menina que gostava de inventar uma explicação para cada coisa.
Explicação é uma frase que se acha mais importante do que a palavra.
As pessoas até se irritavam, irritação é um alarme de carro que dispara bem no meio de seu peito, com aquela menina explicando o tempo todo o que a população inteira já sabia. Quando ela se dava conta, todo mundo tinha ido embora. Então ela ficava lá, explicando, sozinha.
Solidão é uma ilha com saudade de barco.
Saudade é quando o momento tenta fugir da lembrança pra acontecer de novo e não consegue.
Lembrança é quando, mesmo sem autorização, seu pensamento reapresenta um capítulo.
Autorização é quando a coisa é tão importante que só dizer "eu deixo" é pouco.
Pouco é menos da metade.
Muito é quando os dedos da mão não são suficientes.
Desespero são dez milhões de fogareiros acesos dentro de sua cabeça.
Angústia é um nó muito apertado bem no meio do sossego.
Agonia é quando o maestro de você se perde completamente. Preocupação é uma cola que não deixa o que não aconteceu ainda sair de seu pensamento.
Indecisão é quando você sabe muito bem o que quer mas acha que devia querer outra coisa.
Certeza é quando a idéia cansa de procurar e pára.
Intuição é quando seu coração dá um pulinho no futuro e volta rápido.
Pressentimento é quando passa em você o trailer de um filme que pode ser que nem exista.
Renúncia é um não que não queria ser ele.
Sucesso é quando você faz o que sempre fez só que todo mundo percebe.
Vaidade é um espelho onisciente, onipotente e onipresente. Vergonha é um pano preto que você quer pra se cobrir naquela hora.
Orgulho é uma guarita entre você e o da frente.
Ansiedade é quando faltam cinco minutos sempre para o que quer que seja.
Indiferença é quando os minutos não se interessam por nada especialmente.
Interesse é um ponto de exclamação ou de interrogação no final do sentimento.
Sentimento é a língua que o coração usa quando precisa mandar algum recado.
Raiva é quando o cachorro que mora em você mostra os dentes.
Tristeza é uma mão gigante que aperta seu coração.
Alegria é um bloco de Carnaval que não liga se não é fevereiro.
Felicidade é um agora que não tem pressa nenhuma.
Amizade é quando você não faz questão de você e se empresta pros outros.
Decepção é quando você risca em algo ou em alguém um xis preto ou vermelho.
Desilusão é quando anoitece em você contra a vontade do dia.
Culpa é quando você cisma que podia ter feito diferente, mas, geralmente, não podia.
Perdão é quando o Natal acontece em maio, por exemplo.
Desculpa é uma frase que pretende ser um beijo.
Excitação é quando os beijos estão desatinados pra sair de sua boca depressa.
Desatino é um desataque de prudência.
Prudência é um buraco de fechadura na porta do tempo.
Lucidez é um acesso de loucura ao contrário.
Razão é quando o cuidado aproveita que a emoção está dormindo e assume o mandato.
Emoção é um tango que ainda não foi feito.
Ainda é quando a vontade está no meio do caminho.
Vontade é um desejo que cisma que você é a casa dele.
Desejo é uma boca com sede.
Paixão é quando apesar da placa "perigo" o desejo vai e entra.
Amor é quando a paixão não tem outro compromisso marcado. Não. Amor é um exagero... Também não. É um desadoro... Uma batelada? Um enxame, um dilúvio, um mundaréu, uma insanidade, um destempero, um despropósito, um descontrole, uma necessidade, um desapego? Talvez porque não tivesse sentido, talvez porque não houvesse explicação, esse negócio de amor ela não sabia explicar, a menina.




(Adriana Falcão)

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Dos erros

Porque às vezes é preciso transgredir.
"Para os erros há perdão..." Alguém disse. Há perdão e há que se perdoar.
Estamos todos sujeitos ao erro e é isso que nos torna seres tão especiais e únicos. Afinal, o erro nada mais é do que um caminho para o acerto. E, entre um caminho ou outro, que a vida nos oferece, por inúmeras vezes escolhi o mais sensato. Natural que não quisesse correr riscos. Todavia, a sensatez às vezes poda a árvore da gente. É necessário um pouco de insensatez até para o nosso auto comhecimento (para os que se importam com isso, claro). Quem sou eu? Do que sou capaz? Quais os meus limites? Tenho-os? É tudo tão infinito quanto misterioso.
Talvez não tenhamos mesmo esse poder de auto conhecimento que tanto buscamos, mas e daí? Por isso pararemos no meio?
Todas as regras e normas que conhecemos foram impostas por alguém. Quem sou eu afinal?
Um produto criado pela sociedade e feito aos seus moldes? Ou um ser pensante, capaz de identificar o melhor modo de ser eu nessa bagunça boa que é a vida?
Eu quero a beleza do erro, a alegria do perdão e as dádivas da sabedoria.
Quero conhecer-me de outras formas. Porque não sou só isso que veem, nem que vejo, nem que penso. Sou mais e além. Melhor não. Diferente, talvez.
"Vamos nos permitir", já dizia o poeta! Para quê todos esses cárceres que criamos a nossa volta?
Uma forma nada agradável de nos boicotarmos. Nos preocupamos tanto e sempre com a forma como somos vistos e na primeira escorregada que damos, somos nós os primeiros a nos criticar. O outro é sempre mais generoso conosco do que nós mesmos.
É falta de amor próprio? Não sei. Mas passamos a vida tendo que perdoar, entender, aceitar... os outros. Por que com a gente tem que ser diferente?
Amar é entender essa imperfeição da qual somos feitos. É nos garantir o direito à felicidade sem essa nossa cotidiana auto-flagelação. Ninguém é perfeito. Que bom! Tudo certinho vem acompanhado de uma bela chatice...
Um brinde à imperfeição! Esse ingrediente que, ao meu ver, faz a vida valer à pena!

domingo, 25 de abril de 2010


-Por que parece tão difícil?
-Porque é
-Suspeitei.
-Acha que não consegue?
-Sei que consigo. Só não sei como.
-É importante mesmo conseguir?
-Mais do que se possa imaginar...
-E qual a dificuldade real?
-É que estou descalça e o chão está quente, não queria chegar com os pés muito machucados. A dor deixa as pessoas amargas.
-Faz parte, minha jovem, faz parte.
-Eu sei, por isso continuo, mesmo parecendo sem fim.
-Mas e se...?
-Se em um ano eu não chegar, põe a roupa de domingo e pare de me esperar...
Então ela errou de novo. E mais uma vez. E outras tantas mais.
Cansou-se de só errar e resolveu parar, pois que parada também estava errada.
Mas andando errada continuava.
Pensou: melhor errar parada, apreciando a vista. E mais nada.

sábado, 17 de abril de 2010

"...Talvez um voltasse, talvez o outro fosse. Talvez um viajasse, talvez outro fugisse. Talvez trocassem cartas, telefonemas noturnos, dominicais, cristais e contas por sedex (...) talvez ficassem curados, ao mesmo tempo ou não. Talvez algum partisse, outro ficasse. Talvez um perdesse peso, o outro ficasse cego. Talvez não se vissem nunca mais, com olhos daqui pelo menos, talvez enlouquecessem de amor e mudassem um para a cidade do outro, ou viajassem junto para Paris (...) talvez um se matasse, o outro negativasse. Sequestrados por um OVNI, mortos por bala perdida, quem sabe. Talvez tudo, talvez nada..."


Caio Fernando Abreu

terça-feira, 13 de abril de 2010

Curiosidade


Uma vez tudo foi diferente, acreditava.

Em algum lugar os seres humanos usavam as coisas e amavam as pessoas.

Algum tempo passou. Algum tempo é capaz de muitas coisas na vida de algumas pessoas, quiçá de todas.

Esse tempo, nesse lugar, transformou os seres humanos em qualquer outra coisa, que não seres, que não humanos.

Hoje os tais "seres" amam as coisas e usam as pessoas...


"Como será o amanhã? Responda quem puder!"

domingo, 4 de abril de 2010


Porque não é tão fácil voltar.

Tudo estava tão igual e tão pior que se o tempo tivesse parado antes não seria uma idéia tão má assim.

Tinha gente que nascia, gente que morria, e, entre uma gente e outra, gente que não mudava.

É que gente está aqui para aprender, né? E gente quando aprende, muda.

Quer dizer... Ali a coisa não acontecia bem assim. Tinha gente que gostava de bondade e gente que gostava de maldade.

E o mais intrigante era que essa gente não revezava nunca. Quem gostava de uma coisa só gostava dessa coisa. E quem gostava de outra coisa era igual.

E, como as coisas não se revezavam, ficava tudo assim, ó: parado.

Tudo igual e um pouco pior. Porque o mundo do lado de fora muda. E se você não muda com ele, você não fica parado. Só parado. Você fica pra trás... Bem pra trás.

Então era como se ao entrar no ônibus da viação que fazia aquele trajeto, estivesse , na verdade, entrando em uma máquina do tempo.

Máquinas do tempo que levam pra frente devem ser assustadoras...

Máquinas do tempo que levam pra trás são ainda mais...

quarta-feira, 24 de março de 2010

Dos tons...


O céu dela não tinha muitas cores. Apenas um tom de cinza parece-que-vai-chover e, vez ou outra, um azul meio tímido.
Mas, quando a chuva vinha, nada de arco-íris. Porque era preciso também o sol. E sol não tinha. Quase nunca.
Então, ainda pequena, decidiu pintar o seu próprio arco-íris, depois de pronto poderia vê-lo todos os dias, e todos poderiam vê-lo também.
Mas quando se é criança as pinturas ficam meio feias, tortas. Isso fez com que ela o apagasse várias vezes, para que ficasse cada vez melhor e mais bonito.
Acontece que um dia, quando já passava da metade do desenho, um moço apagou tudinho que a menina por tanto tempo tinha se dedicado a desenhar.
Mas não era um moço qualquer. Era um moço com muitas cores. Cores que ela gostava.
Um moço que sabia das cores. Não de todas.
Cinza, ele não tinha. Verde tinha todos os tons.
Marrom também não tinha, mas tinha uma infinidade de azuis que fazia os olhinhos dela saltarem de tanta alegria.
Roxo ele tinha poucos. Ela, todos.
Tinha um sorriso laranja e um olhar furta-cor que faziam suas pernas tremerem...
Ela, que sonhava tanto com o arco-íris pronto, talvez brigasse com ele, não fosse o sentimento vermelho escarlate com que ele pintou seu coração...
Não, não ficaria brava...
No fim, o que a deixava feliz e a motivava de verdade era estar sempre pintando.
Para ela, também, a felicidade era clandestina. Prolongava o tempo de chegar onde queria. Como se o percurso fosse mesmo mais importante que a própria linha de chegada.
Não sabia exatamente o que faria quando chegasse ao fim e o pote de ouro já estivesse pronto...
.
.
.
Para o moço dos mil tons... Dela...

domingo, 21 de março de 2010


Então ela abriu as cortinas e viu um dia triste, quase cinza.
Mas eram as janelas. Bastava limpa-las para ver melhor.
Assim fez ela. E pode ver que era só poeira.
Uma poeirinha que deixava ela presa em casa.
Triste dela que não percebeu antes que a solução que procurava era água e sabão.

sábado, 20 de março de 2010







A menina que gostava de margaridas e queria uma bicicleta desaprendeu um bocado de coisas. Desaprendeu a sorrir. Foi quando resolveu chorar. Chorar não sabia mais.
Desaprendeu a correr, então decidiu andar apenas . Andar já não sabia. Sentou. Sentou porque desaprendeu a deitar e dormir e acordar.
Pois que já vivia acordada (acordada no sentido de estar de acordo, de acordo com um tantão de coisas que nem concordava).
A menina que um dia era só sonhos se perdeu pelo caminho. Mas ninguém sabia. Disfarçava bem, a danada. Maquiada e arrumada, como se todos os dias fossem sábado à tarde, e todos os domingos fossem felizes. E todas as luas cheias. E todas as noites, cinema.
"As árvores morrem de pé". Ainda estava viva, com poucas folhas, é bem verdade.
Mas com uma tristeza tão bela, mas tão bela, que dava gosto de ver...

terça-feira, 16 de março de 2010

"Ela teimou e enfrentou o mundo se rodopiando ao som dos bandolins..."



domingo, 14 de março de 2010

..........Eu quase que nada não sei....... Mas desconfio de muita coisa...


Alguém disse que um prédio não se constrói em um dia
E que um dia sem sorrisos é um dia perdido
Foi quando ela resolveu não perder mais tempo
Tijolo por tijolo
Sorriso por sorriso
Foi construindo uma morada dentro de si mesma
Que era onde moraria para sempre
Onde quer que estivesse
Então tratou de fazer uma bela morada
Aconchegante pra quem chegasse
E bem confortável para ela, que não sabia se pretendia sair
Vasos de flores
Cheirinho de alecrim
Um fazedor de ventos, que soprava sempre um brisa leve
E um sorriso no canto dos olhos
Que ninguém saberia o porquê...


sábado, 13 de março de 2010

"A vida tem caminhos estranhos, tortuosos, às vezes difíceis. Um simples gesto involuntário pode desencadear todo um processo. Sim, existir é incompreensível e excitante. As vezes que tentei morrer foi por não poder suportar a maravilha de estar vivo e de ter escolhido ser eu mesmo e fazer aquilo que eu gosto - mesmo que muitos não compreendam ou não aceitem."

sexta-feira, 12 de março de 2010




...foi quando ela comparou a vida a um ônibus em movimento.
Ela, que gostava de sentir o vento no rosto, pensou se seria mesmo bom uma viagem com ar condicionado e janelas fechadas.
Todo aquele conforto era bom até certo ponto.
Por um lado estava longe do calor, que andava derretendo a cidade.
Mas também estava longe do vento, que derretia o seu coração, quando esse estava para endurecer.
E sempre que ela sentia aquela agradável sensação, brotava um sorriso em seu rosto...
Ai resolveu que precisava decidir o que queria.
E decidiu sair ventarolando por ai....




terça-feira, 9 de março de 2010

Coisas que eu amo


Gota de chuva, bigode de gato
Laço de fita, cordão de sapato
Flor na janela e botão no capim
Coisas que eu amo e são tudo pra mim

Doce na mesa e sol na cozinha
Bico de pato, chapéu de palhinha
Banda passando e soando clarim
Coisas que eu amo e são tudo pra mim

Lona de circo, tapete de grama
Bola de neve e botão de pijama
Doces invernos chegando no fim
Coisas que eu amo e são tudo pra mim

Se a tristeza
Se a saudade
De repente vem
Eu lembro das coisas que eu amo e então
De novo eu me sinto bem

Gota de chuva, bigode de gato
Laço de fita, cordão de sapato
Flor na janela e botão no capim
Coisas que eu amo e são tudo pra mim

Língua de trapo e bochecha vermelha
Lua passando na fresta da telha
Brisa soprando e penteando jardim
Coisas que eu amo e são tudo pra mim

Bola de gude, nariz de cachorro
Uma igrejinha no alto do morro
Carta contando tin-tin por tin-tin
Coisas que eu amo e são tudo pra mim


Se a tristeza
Se a saudade
De repente vem
Eu lembro das coisas que eu amo e então
De novo eu me sinto...... Bem!

quarta-feira, 3 de março de 2010

" Ser humilde com os superiores é obrigação, com os colegas é
cortesia, com os "inferiores" é nobreza."

- Benjamin Franklin -
...gente é um troço muito esquisito mesmo. Ai ela entendeu porque tem pessoas que preferem os animais. Mas ela ainda acredita na recuperação da alma humana. E lembra-se das palavras de Brecht: "...Mas vós, por favor, não deveis vos indignar. Toda criatura precisa da ajuda dos outros..."

segunda-feira, 1 de março de 2010


...porque o dia acordou meio triste. E branco.

Mas ela tinha lápis de cor, e o amor que aprendeu em casa.

Daí vestiu seu melhor sorriso e saiu colorindo tudo que via pelo caminho.

Deixou algumas coisas ainda nos tons de cinza, que também era cor... E ficava tão bonito com algumas pequenas gotas da chuva da manhã, que ela achou que não deveria estragar a poesia daquele cinza.

Mas todo o resto foi ficando vibrante, vivo...

Então todos que passavam por esse caminho só tinham olhos para aquela infinidade de cores...

Ninguém reparou na rosa cinza, com gotas de orvalho...

Ninguém reparou na lágrima no canto do olho da menina...
Há um vilarejo ali
Onde areja um vento bom
Na varanda, quem descansa
Vê o horizonte deitar no chão
Pra acalmar o coração
Lá o mundo tem razão
Terra de heróis, lares de mãe
Paraiso se mudou para lá
Por cima das casas, cal
Frutas em qualquer quintal
Peitos fartos, filhos fortes
Sonhos semeando o mundo real
Toda gente cabe lá
Palestinha, shangrilá
Vem andar e voa
Vem andar e voa
Vem andar e voa
Lá o tempo espera
Lá é primavera
Portas e janelas ficam sempre abertas
Pra sorte entrar
Em todas as mesas, pão
Flores enfeitando
Os caminhos, os vestidos, os destinos
E essa canção
Tem um verdadeiro amor
Para quando você for

domingo, 28 de fevereiro de 2010

"Alguns pensam que para se ser amigo basta querê-lo, como se para se estar são bastasse desejar saude..." (Aristóteles)


...então ela arrumou o próprio armário. Como se arrumasse um pedacinho de todas as coisas. Acreditava que assim todo o resto voltaria ao seu lugar. Arrumar é encontrar a melhor forma. E foi encontrando as melhores maneiras de guardar as coisas... Às vezes guardava umas coisas tão escondidas que era pra nem ela achar... E não ter que ver sempre... É que tem coisas que trazem muitas coisas com elas... Coisas do tipo lembranças e sentimentos... Não jogava nada fora, porque também queria lembrar às vezes.
Tudo, visto de longe, parecia um monte de retalhos. E ninguém, nem ela, sabia direito no que iria dar aquela bagunça toda antes da arrumação.
Mas no final sempre sai uma linda colcha desses mesmos retalhos...

E foi assim, entre caixas, prateleiras e embrulhos, que ela arrumou tudo.
E arrumou também a melhor maneira de ser ela naquela nova bagunça organizada que estabelecera.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

"(...) Os contos de fadas são assim. Uma manhã a gente acorda e diz: "Era só conto de fadas..." E a gente sorri de si mesma. Mas, no fundo, não estamos sorrindo. Sabemos muito bem que os contos de fada são as únicas verdades da vida (...)"

Porque ela sonhava


...ai ela sonhou um futuro azul. Com gerânios nas janelas sempre abertas e margaridas no jardim.
Uma casinha amarela com quintal onde se pudesse plantar. Lá plantaria amor, respeito, cumplicidade, lealdade, companheirismo e um montão de outras coisas.
E cada pessoa que chegasse àquela casa provaria dessas especiarias.
Pela manhã, o cheirinho de café avisaria que o dia seria bom, e, na mesa posta poderia faltar todo o tipo de alimento matinal, menos companhia e poesia. Essa sim era essencial para um bom começo de dia.
Da janela podia-se ver o horizonte... E todas as janelas davam para o nascer do sol, que todas as manhãs vinha acordar a moça, lembrando que a vida lá fora continuava vibrante e alegre.
Tinha também gente. Gente que morava na casinha, e gente boa que morava perto. Porque é preciso de gente pra se ser feliz.
Um cachorro, que mantinha a casa sempre viva.
E um cheirinho de alecrim...

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Mesmo quando não

E ela sabia. Sabia que tecia seus sonhos dia-a-dia, mesmo quando parecia que não.
Ela tecia, chorava, sorria...
Sorria chorava tecia
Como uma aranha em sua teia, ela, cuidadosamente, fazia seu trabalho, mesmo quando parecia que não.
Tinha descoberto uns caminhos que levavam onde queria, mas ninguém acreditava neles. Por isso, às vezes caminhava sozinha.
Nesses caminhos, descobriu tantas coisas e tantos sentimentos que não fariam sentido a quem ousasse ouvir, caso pudessem ser ditos.
Sentimento-música. Sentimento-chão. Sentimento-não.
Sentimento-dicionário, que quer ser definição.
Sentimento não requer explicação. Mas caso fosse preciso, definiria como um salto, uma queda, uma quebra, um corte.
Ou qualquer outra coisa que dissesse muito e não dissesse nada.
Nessa confusão toda, ela só procurava uma parada onde pudesse comprar uma rima.
Sina.
Não tem.
Mas ela continua. Fio a fio. Ponte a ponte. Precipício a precipício.
Ofício.
Vício.
A menina que vivia em penhascos e cordas bambas queria o chão.
Mas chão não há.
Restava-lhe então os contos.
De fadas.
E os sonhos. E as teias....
E as veias.